Evolução e complexidade

Este é um tema antigo e que mantém uma certa controvérsia desde que surgiu. A questão é:

O processo de evolução tende a produzir organismos cada vez mais complexos?

Já vi pessoas defendendo que sim e que não, eu particularmente defendo que sim. Acho que esta questão costuma ser prontamente desconsiderada por se achar que ela necessariamente envolve alguma forma de “direção pré-designada” no processo evolutivo; eu acho que devemos vê-la como uma consequência emergente.

Primeiramente é necessário se caracterizar o que se entende por complexidade. Como é um conceito difícil de se definir, vou dar uma noção intuitiva. Uma noção de complexidade que acho útil é a de tamanho de descrição, isto é, a complexidade de um objeto ou sistema é o comprimento da sua menor descrição numa determinada linguagem (esta noção é formalizada na forma da complexidade de Kolmogorov). A idéia é que, ainda que a linguagem possa favorecer arbitrariamente alguns objetos a outros, esta arbitrariedade se torna menos relevante conforme a complexidade cresce. Esta noção concorda com algumas propriedades intuitivas de complexidade como a de que quanto mais partes e mais tipos de partes diferentes e mais tipos de interações entre as partes houver, maior a complexidade, uma vez que estas demandariam descrições maiores. Acho que isto captura bem a noção intuitiva, embora eu ache que uma noção mais geral de complexidade deva ser baseada em quão improvável é uma dada configuração.

Em segundo lugar, é necessário se especificar o que se quer dizer com complexidade biológica. Isto me parece ser mais difícil, pois há vários níveis possíveis de análise. Podemos pensar em complexidade de vias metabólicas, em complexidade morfológica, complexidade de interação com o ambiente, entre outras. Para meu propósito, creio que a mais interessante seja a complexidade de interação com o ambiente, no sentido de que estou interessado em quão rica é a interação do organismo com seu ambiente para fins de aptidão biológica (fitness). Ou seja, estou falando de uma complexidade funcional e adaptativa, organizada.

Assim, eis meus argumentos de porque acho que o processo de evolução tende probabilisticamente a produzir e a tornar espécies de organismos mais complexas ao longo do tempo:

Só há uma direção, a de complexidade positiva.
“Os organismos tem uma complexidade mínima para serem viáveis, de modo que toda vida está acima deste limiar. À medida que a vida evolui ela só pode explorar uma direção.”
Isto é verdade, porém a vida poderia muito bem se estabilizar em alguma faixa ótima. Isto ocorre com tamanho, por exemplo. Mas acho que isto de fato é válido, pelo menos em épocas de aumento do número de espécies como a ocupação de novos nichos ecológicos, deve haver um aumento de variância, aumentando pelo menos o máximo de complexidade, senão a média.

Mutações adaptativas complexas.
O aparecimento de novas funções adaptativas costuma envolver mutações raras, às vezes associadas a eventos de duplicação, seja para proporcionar a nova função, seja para regulá-la. Por ser raro, este tipo de função pode aparecer mesmo em espécies já bem adaptadas, gerando um pequeno aumento de complexidade vegetativo. Aparentemente isto pode ocorrer indefinidamente num ambiente complexo.

Interações complexas trazem complexidade ambiental, complexidade ambiental favorece interações complexas.
Novas formas de interagir com o ambiente o transformam em algo diferente, favorecendo o aparecimento de novas formas para interagir com ele. Em particular, a co-evolução predador-presa ilustra bem isto. Novos truques numa espécie criam uma pressão seletiva para novos truques nas espécies ecologicamente relacionadas.

Acúmulo de funções adaptativas pouco dependentes do ambiente.
A seleção natural desfavorece a perda de funções adaptativas, de modo que elas tendem a se acumular. Alguns caracteres tem valor adaptativo em quase qualquer ambiente; sistemas sensoriais, sistema imune, metabolismo de energia, recombinação e reparação de DNA, adaptatividade ao ambiente. Creio que sejam principalmente os sistemas de manipulação eficiente de recursos, energia, informação e reprodução.

Acúmulo de sequências genéticas funcionais
Cada gene funcional é um gene que pode ser duplicado, mutado, cortado (com alternative splicing), transposto e expressado em diferentes condições. O genoma acumula sequências de genes pré-existentes, até mesmo de proteínas virais que acabam sendo integradas (transferência horizontal) e que estão relativamente prontas favorecendo mutações funcionais.

Interlocking
Uma vez que um gene ou função aparece e se consolida numa população, serve de base para outros genes e funções, e passa a integrar um complexo que dificilmente poderá ser dissociado sem grandes perdas funcionais.

Quando a complexidade não deve ser adaptativa?

A complexidade tem um preço.
O aumento de complexidade costuma estar associado a um maior gasto material e energético, a um desenvolvimento mais difícil e a um maior custo reprodutivo para a fêmea, podendo resultar numa prole menor. A complexidade só vale a pena se o benefício superar o custo.

Baixa pressão seletiva: Ambientes monótonos.
Quando o ambiente é pouco dinâmico, ou muito favorável, as funções se tornam redundantes ou irrelevantes e tendem a ser perdidas por deriva. Como nos peixes cegos e nos parasitas.

Enfim, é isto, qual a opinião de vocês?

Enquanto escrevia achei dois artigos, um sobre a (não-)relação entre número de genes e complexidade http://genomicron.blogspot.com/2007/05/gene-number-and-complexity.html e outro dizendo que a seleção natural atua como um demônio de Maxwell, acumulando as mutações funcionais e evitando as disfuncionais. http://www.pnas.org/content/97/9/4463.full

p.S.: Outra circunstância na qual espero não haver aumento de complexidade (e talvez uma leve tendência à diminuição) é a de pressão seletiva muito alta. Nestas circunstâncias, caracteres complexos adaptativos dificilmente poderão surgir, uma vez que eles raramente surgem de forma completamente funcional, e mesmo caracteres um pouco adaptativos poderiam ser contra-selecionados, se não fossem suficientemente vantajosos e correlacionados com os caracteres mais fortemente selecionados, embora caracteres adaptativos complexos que já existam na população tendam a se propagar rapidamente. Alta pressão seletiva diminui a variabilidade genética e fixa os genótipos adaptativos ao tipo de pressão. Algumas exceções a isto seriam organismos que tem altas taxas de mutação ou de reprodução como bactérias e protozoários que podem controlar sua taxa de mutação (por exemplo o desenvolvimento de resistência a antibióticos). Alternar entre fases curtas de alta pressão e fases longas de baixa pressão talvez seja uma maneira de acelerar este aumento de complexidade.

26 comentários em “Evolução e complexidade”

  1. Concordo, acho que numa escala de tempo muito grande e considerando todas as espécies em geral, a evolução tende à complexidade. No entanto, enquanto algumas espécies aumentam sua complexidade, outras permanecem com o mesmo nível, por exemplo, bactérias, plantas, insetos, e animais que estão sem mudança há muito tempo.

    A complexidade aumenta na medida em que é favorável para a perpetuação da espécie. Isso acontece de maneira geral, mas não necessariamente sempre. Talvez o movimento de espécies terrestres para o mar seja um exemplo de simplificação, pois perdem mãos, braços e pernas com suas funções e adquirem uma forma aparentemente mais simples para a vida marinha. Alguns insetos, também, perderam os olhos para viver debaixo da terra.

    Como a evolução costuma ser uma força que melhora a longo prazo a adaptação de uma espécie, a complexidade tenha tendência geral a aumentar devido às adições constantes da força evolutiva e à permanência de suas adaptações anteriores de sucesso, “acumulando as mutações funcionais”.

  2. Rend,

    Parece-me que uma máquina de Turing que vá descrever um sistema físico tem o seu programa mais complexo na mesma medida que a entropia do sistema aumenta. Ou ainda tal relação pode ser efetuada por via da mecânica estática e entropia de Shannon como propoem esses dois artigos: Information theory and statistical mechanics e Information theory and statistical mechanics II , citando da wikipedia: “thermodynamics should be seen as an application of Shannon’s information theory: the thermodynamic entropy is interpreted as being an estimate of the amount of further Shannon information needed to define the detailed microscopic state of the system, that remains uncommunicated by a description solely in terms of the macroscopic variables of classical thermodynamics. For example, adding heat to a system increases its thermodynamic entropy because it increases the number of possible microscopic states that it could be in, thus making any complete state description longer.” Assim se uma relação entre a complexidade de Kolmogorov com a entropia física existe, fica claro que a vida, bem como o universo como um todo, tendeu a complexidade. Quando comparadas as formas de vida anteriores as posteriores quase sempre são mais entrópicas, por exemplo, um DNA e uma membrana de fosfolipídio separadas são menos entrópicas do que um DNA dentro da membrana e muitas outras configurações celulares bem como a formação de macromoléculas orgânicas são tendência a um aumento da entropia. Isso só significa que por enquanto a superfície do planeta Terra seguiu a tendência do universo de aumentar em complexidade, mas isso não significa que sempre vai ser assim. As pressões evolutivas podem mudar e em pouco tempo a forma de vida que vai se mostrar evolutivamente melhor será a de nano moléculas sintetizadas artificialmente que vão dominar a terra e que serão com certeza mais simples. Uma grande guerra nuclear pode eliminar quase todas as formas de vida mais complexas da face da terra deixando apenas as baratas e alguns microorganismos, claro que ai, por conta da energia liberada pelas explosões a entropia da terra iria aumentar, mas a complexidade da vida não e a evolução teria feito a vida tender a formas mais simples. Que a evolução aumentou a entropia da materia que posteriormente foi formar os seres vivos é um fato certo e evidente, que ela aumentou a complexidade parece ser um fato caso se aceite a visão de Jaynes dos referidos artigos, agora que a evolução vá sempre favorecer um aumento da complexidade não é garantido visto que existe a possibilidade dela selecionar por simplicidade no futuro. Mesmo que não se aceite a interpretação de Jaynes é muito dificil, ao meu ver, relacionar teoria da informação e termodinamica sem que entropia e complexidade sejam diretamente proporcionais, segue que se for se falar do papel que a evolução teve na complexidade da materia ele será necessariamente no sentido de aumentar essa complexidade.

    Abraços

  3. João, acho que você confundiu algumas coisas. Eu não mencionei aspectos termodinâmicos para evitar um pouco este tipo de discussão, porque acho ela meio intrincada além de ser inacessível para os que não conhecem termodinâmica. Mas já que você trouxe, vou comentá-la.

    “Parece-me que uma máquina de Turing que vá descrever um sistema físico tem o seu programa mais complexo na mesma medida que a entropia do sistema aumenta.”

    Esta afirmação precisa ser interpretada com cuidado. Se um sistema tem uma alta entropia termodinâmica, isto significa que seu estado macroscópico é compatível com muitos estados microscópicos. Portanto, à medida que a entropia aumenta, a descrição do estado microscópico se torna maior, uma vez que há mais estados microscópios entre os quais se distinguir. Isto está explicado na sua citação seguinte:

    “thermodynamic entropy is interpreted as being an estimate of the amount of further Shannon information needed to define the detailed microscopic state of the system, that remains uncommunicated by a description solely in terms of the macroscopic variables of classical thermodynamics”

    É importante o fato de que a descrição do estado macroscópico, no entanto, não aumenta muito significativamente com o aumento de entropia. E que portanto, a descrição de Kolmogorov relevante à entropia termodinâmica seria a do estado microscópico.

    “Assim se uma relação entre a complexidade de Kolmogorov com a entropia física existe, fica claro que a vida, bem como o universo como um todo, tendeu a complexidade.”

    Isto não é verdade. Não se segue de a entropia do universo (um sistema supostamente fechado) estar crescendo que a entropia dos seres vivos (que constituem um sistema aberto e que portanto não precisa ter entropia crescente), ou melhor, que a entropia média dos espécimes de cada espécie viva esteja crescendo. E vou argumentar que o aumento de complexidade quer dizer justamente que a densidade de entropia média dos seres vivos esteja diminuindo.

    “um DNA e uma membrana de fosfolipídio separadas são menos entrópicas do que um DNA dentro da membrana e muitas outras configurações celulares bem como a formação de macromoléculas orgânicas são tendência a um aumento da entropia.”

    Isto é falso, há muito mais microestados compatíveis com uma molécula de DNA fora da membrana, do que dentro da membrana, o estado com DNA dentro da membrana tem uma entropia menor, o mesmo vale para macromoléculas em oposição às suas várias micromoléculas separadas. No entanto, respeitando a segunda lei, a produção de macromoléculas gera em média mais entropia do que é perdida no processo, porém na forma de calor ou de outras moléculas, que são exportadas das células. Há uma tendência a quanto mais “contrained” está o sistema, menor sua entropia, e quanto mais livres e espalhadas suas partes, maior, acho que é isto que se quer dizer quando se diz que “entropia é uma medida de desordem do sistema”.

    “Isso só significa que por enquanto a superfície do planeta Terra seguiu a tendência do universo de aumentar em complexidade, mas isso não significa que sempre vai ser assim.”

    Creio que isto seja falso, mesmo que desconsiderássemos toda a vida e sua atividade, a superfície da Terra esfriou, formou compostos sólidos e minerais complexos, o que diminuiria sua entropia.

    “As pressões evolutivas podem mudar e em pouco tempo a forma de vida que vai se mostrar evolutivamente melhor será a de nano moléculas sintetizadas artificialmente que vão dominar a terra e que serão com certeza mais simples.”

    Você está dizendo que estamos fadados ao “gray goo”? Não sei até que ponto poderíamos falar que o surgimento de nano-moléculas artificiais faz parte do processo de evolução natural (afinal não estou incluindo a produção de artefatos humanos na minha argumentação), e não sei até que ponto estas nanomoléculas não poderiam apresentar também uma tendência de aumento de complexidade com o passar do tempo.

    “Uma grande guerra nuclear pode eliminar quase todas as formas de vida mais complexas da face da terra deixando apenas as baratas e alguns microorganismos, claro que ai, por conta da energia liberada pelas explosões a entropia da terra iria aumentar, mas a complexidade da vida não e a evolução teria feito a vida tender a formas mais simples.”

    Novamente, não vejo uma grande guerra nuclear como parte do processo de evolução natural, e se fosse tomá-lo assim, eu o interpretaria como um evento mal-adaptativo que levou à extinção em massa de organismos, e não como uma manifestação representativa do processo evolutivo em geral.

    “Que a evolução aumentou a entropia da materia que posteriormente foi formar os seres vivos é um fato certo e evidente, que ela aumentou a complexidade parece ser um fato caso se aceite a visão de Jaynes dos referidos artigos, agora que a evolução vá sempre favorecer um aumento da complexidade não é garantido visto que existe a possibilidade dela selecionar por simplicidade no futuro.”

    Não é uma consequência trivial da segunda lei que a evolução aumente a entropia da matéria, que forme seres vivos e que aumente a complexidade, como já disse. Eu comentei no texto as circunstâncias nas quais não espero ver aumento de complexidade.

    “Mesmo que não se aceite a interpretação de Jaynes é muito dificil, ao meu ver, relacionar teoria da informação e termodinamica sem que entropia e complexidade sejam diretamente proporcionais, segue que se for se falar do papel que a evolução teve na complexidade da materia ele será necessariamente no sentido de aumentar essa complexidade.”

    Bom, vou explicar como vejo a relação entre entropia e complexidade.

    Como esclareci no texto, usei o termo complexidade no sentido de complexidade da interação com o ambiente (e não, por exemplo, no sentido de complexidade do estado microscópico) o que equivale a um aumento de complexidade do estado macroscópico do organismo, afinal, o que quer que seja seu estado microscópico, ele deve ser compatível com todas estas interações complicadas que ele faz com o ambiente. Ou seja, há um aumento de contraints macroscópicas, uma diminuição de estados microscópicos compatíveis e uma consequente diminuição de entropia. Além disso, é esperado que um aumento de complexidade de interação com o ambiente seja acompanhado de um aumento de complexidade microscópica, pois novas funções costumam ser acompanhadas de novos genes, proteínas, vias metabólicas, etc.

    Entretanto, apesar de achar que o aumento de complexidade está associado a uma diminuição de entropia, não acho que este seja um bom critério, por entropia estar associada a outras grandezas, como temperatura e volume, que não interessam muito para fins biológicos e sim para fins de determinação de estados quânticos microscópicos. Mas creio que a relação aumento de complexidade-diminuição de entropia deva ser razoavelmente válida (que é o contrário do que você defendeu). Mesmo comparando um mamífero com um ancestral unicelular, é possível que mamíferos tenham uma densidade de entropia menor, em vista de que suas células estão mais compactadas e tem menos liberdade do que os seres unicelulares.

    Tenho lembrança de ter lido em algum lugar sobre propostas de uma quarta lei da termodinâmica, que formalizaria de alguma forma a noção de seleção natural, mas não sei muito sobre o assunto.

  4. Rend,

    Eu não disse que do aumento da entropia do universo segue o aumento da entropia dos seres vivos. Do fato de que um aumento da entropia implica um aumento da entropia de Shannon segue que o aumento da entropia do universo pode ser interpretado como um aumento da complexidade e também segue que um aumento da entropia dos constituintes dos seres vivos aumenta também a complexidade destes.

    A discussão feita das paginas 29 a 31 do livro ‘A celula’ do Geofrey M. Cooper parece discordar do que você falou uma vez que a polimerização de moléculas orgânicas consome calor e lá a toda uma discussão de como partes do DNA e da membrana são hidrofóbicas ou hidrofílicas, mas parece que você esta certo quando diz que há um aumento da entropia do exterior logo a vida deve ser menos entrópica.

    Não estou muito certo, mas pelo o que eu vi todas as linhas de argumentação vão no sentido de relacionar a entropia de Shannon como diretamente proporcional a entropia física. Quando terminar de ler sobre o assunto comento aqui de novo.

    Abraços

  5. Mas porque acha que os seres vivos tendem a aumentar sua entropia com o tempo? Exceto pelo aumento de tamanho e talvez de temperatura corporal, que possa ter ocorrido na transição peixes-répteis, e répteis-mamíferos/aves, não vejo outros motivos para crer que os seres vivos tenham uma tendência a aumentar sua entropia, e mesmo o tamanho pode ser relativizado se falarmos de densidade de entropia (entropia/massa ou entropia/volume).

    A formação de membranas de moléculas apolares num meio polar ocorre espontaneamente (bolhas e micelas), eu considero este um caso em que nossa noção de mais organizado não coincide com a noção de menor entropia. Isto ocorre pois o alinhamento dos lipídios diminui a superficie total em contato com a água, e a água tende a formar estruturas organizadas em volta de moléculas apolares; como a forma alinhada dos lipidios diminui o numero de moleculas de agua presas nestas estruturas, isto acaba tendo uma entropia maior do que se os lipidios estivessem separados (e consequentemente mais moleculas de água estivessem estruturadas em volta deles). A contra-intuitividade vem de neste caso o que é mais organizado numa escala de micelas, é menos organizado numa escala molecular.

    Talvez a interação lipídios-DNA tenha alguma propriedade semelhante, mas não conheço. Não sei como é o comportamento da água em relação a ácidos nucleicos.

  6. Eu achei isso justamente pelo o que você falou das membranas e outros processos que eu conhecia e também porque é espontaneo e eu achava que a quantidade de desorganização do meio não compensava, mas parece que estava errado.

    A vida faz emergir padrões na materia e quanto mais padrão maior a possibilidade de compactação e maior a simplicidade, então provavelmente a vida faz a materia ficar mais simples e não mais complexa. Uma coisa é prever o comportamento de um bando de moleculas separadas e rarefeitas no ar e dissolvidas na agua, outra coisa é prever o comportamento das moleculas de um ser vivo com um certo grau de intencionalidade. Por exemplo você consegue determinar que as moleculas de um paramecio vão todas ir em direção a uma fonte de comida e fugir de possiveis ameaças, enquanto que se essas moleculas estivessem todas separadas em algo inanimado seria muito mais dificil fazer esse mesmo tipo de predição (por mais vaga que ela seja). Isso parece suportar a tese de que entropia termodinamica e entropia informacional são diretamente proporcionais.

  7. Stephen Jay Gould, talvez o biólogo mais odiado e amado do sec passado, escreveu um livro interessante que eu li sobre como a complexidade maior Não é uma tendência da evolução.

    O ponto dele é simples. imagine um bebado que foi expulso e chutado de um lugar.

    Parede________Bêbado__________ Carro

    nessa configuração acima.

    Toda vez que ele se levanta, dá ou 3 passos para a direita, ou 3 para a esquerda, e cai novamente.

    O ponto de gould é que, como existe uma parede de um lado, ele necessariamente alcançará o carro.

    A parede desvia a cauda probabilística para a direita, permitindo que ele atinga o carro em suficientes tentativas, mesmo jogando um jogo que parece ter soma 0, fora a parede.

    O mesmo se passa com a complexidade dos organismos. Não há uma tendência da vida a complexidade ou ao aumento de organização, o que há é muito tempo passando, e a possibilidade tanto de ficar mais simples quanto mais complexo (tres passos para cada lado)

    Eventualmente, surgirá uma cauda comprida, ou seja, seres complexos, ou seja, nós. Mas isso não deria de uma tendência, nem de um aumento da variância, mas sim de um aumento no tempo de variabilidade e seleção.

    Odeio todo o resto do que o Gould disse. Mas concordo com isso.

    Quanto a questão específica de se a vida é mais ou menos entrópica, estou com o rend (leo).

    Abraços

  8. João,

    “quanto mais padrão maior a possibilidade de compactação e maior a simplicidade”
    Há um problema aí, quando você diz “quanto mais padrão” você quer dizer mais padronizado, isto é regular, ou quer dizer mais padrões, isto é, maior combinação de formas?
    Por exemplo, uma estampa de xadrez é altamente padronizada, e segue uma regra bem simples e portanto é pouco complexa. Mas digamos, uma geometria estranha, meio fractal, tem muitos padrões, porém pode ser muito complexa, até mesmo incomputável.

    “Uma coisa é prever o comportamento de um bando de moleculas separadas e rarefeitas no ar e dissolvidas na agua, outra coisa é prever o comportamento das moleculas de um ser vivo com um certo grau de intencionalidade.”
    Acho que aí há um problema, primeiro porque eu não falei diretamente de previsão, embora seja um conceito relacionado, e acho que ele complica um pouco a análise, mas acho que em geral, sistemas de maior entropia são mais previsíveis. Acho que a noção de intencionalidade aí é ruim, intenção é algo que atribuímos antropomorfizadamente, porque simplifica nossa compreensão, e permite que usemos os circuitos cognitivos que usamos para o comportamento de pessoas e animais. Acho que ele tem mais a ver com reconhecermos padrões, do que propriamente com descrições bem definidas de comportamento. Enfim, podemos discutir o que significa previsão e intencionalidade, mas acho que vão complicar o problema.

    “Isso parece suportar a tese de que entropia termodinamica e entropia informacional são diretamente proporcionais.”
    A entropia termodinâmica é a própria entropia de Shannon referente ao microestado, pelo menos segundo o Jaynes. Não estou negando isto. Mas não entendi como você relaciona isto com a complexidade de Kolmogorov.

    Diego,

    de fato pode ser difícil distinguir um passeio aleatório de uma propensão a crescer, principalmente quando se julga estar no topo e se tem dados muito incompletos sobre o passado (para medir as tais flutuações que ocorrem de cada vez que o bêbado acorda) e principalmente dados para medir a tal “complexidade da interação com o ambiente”.

    Por isto meus argumentos são baseados em mecanismos específicos que acho que seriam suficientes para explicar um aumento de complexidade, se ele existir. Creio que uma das minhas motivações principais para crer nesta tendência são os complexos sistemas novos que foram surgindo com a evolução, em especial o sistema nervoso e o sistema imune, e que parecem ter “vindo para ficar”.

    Creio que Gould dê exemplos para justificar porque ele acha que isto não ocorre, você lembra de alguns?

  9. Acho que ele quer dizer que isso não ocorre intencionalmente, mas como resultado da seleção natural, i.e., nos seres ocorrem mutações que tanto aumentam como diminuem, mas a longo prazo a tendência dada pela seleção natural é de aumento da complexidade, pela seleção gradual de alguns dos aumentos (as diminuições tirariam aquilo que já foi selecionado por milhões de anos de evolução, tendo uma chance enorme de serem contraprodutivas, enquanto que os aumentos adicionariam àquilo que já foi selecionado, até conseguirem alguma adição produtiva).

    Um problema desse sistema é que ele tem uma capacidade limitada de se modificar, pois as mudanças ocorrem lentamente e pouco a pouco, de forma que mudanças grandes e fundamentais na arquitetura não podem ser feitas; uma vez construído o prédio, pode-se trocar as portas e as janelas, mas dificilmente se pode mudar o material da construção, ou o projeto arquitetônico, sem começar novamente do zero.

  10. Seguindo a lógica do método intuitivo, seria fácil julgar à primeira vista que complexar é melhor. Mas, em vista do que se percebe empiricamente na natureza, a complexação tem a função de salvar chapéu do afogado, vem em resposta a uma crise – acredito que a natureza não produz complexidade como um leit motiv evolutivo.

  11. Rend,

    Se tem muitos padrões aumenta a complexidade justamente porque não tem um unico padrão. Acho que você deve concordar que quanto mais unicidade de padrão existir num conjunto de dados mais sucetivel a compactação ele é e como você mesmo mencionou complexidade tem a ver com o nivel de compactação.
    Intencionalidade não é ruim porque no nivel de descrição macroscopico falar de atomos e particulas fundamentais não vai ajudar em nada. O fato é que as leis do nivel microscopico fazem emergir padrões no nivel macroscopico. Uma vez que você tem meleculas de DNA organizada numa dupla helecie em vez de atomos de nitrogenio, carbono e hidrogenio todos separados, uma vez que você tem varios seres humanos todos eles com uam bioquimica semelhante em vez de um caos de moleculas organias separadas, você tem a existencia de padrões em detrimento de um sistema menos organizado.

    Tem bastante material na internet sobre a relação entre entropia informacional e complexidade de Kolmogorov, um deles ta aqui ou aqui caso você não consiga abrir .ps.

    Abraços

  12. Pelo que entendi nosso desentendimento está em que eu estou afirmando que seres vivos são complexos e tem baixa entropia termodinâmica, e portanto baixa entropia de Shannon, enquanto você está defendendo que sistemas com alta complexidade de Kolmogorov tem alta entropia de Shannon e portanto alta entropia termodinâmica.

    Um ponto relevante é que não estou definindo a complexidade sobre o microestado físico, e sim sobre a interação do organismo com o ambiente. De maneira que estamos falando de coisas diferentes. A complexidade a que me refiro, se tiver análoga no contexto da termodinâmica, seria a do estado macroscópico.

    Mas pensando em sistemas físicos arbitrários, quanto mais constraints macroscópicos, ou seja, quanto mais informação macroscópica se tem do sistema, menos microestados compatíveis se tem, e portanto menor a entropia de Shannon e termodinâmica. Creio que em média, quanto mais informação macroscópica, maior o tamanho da descrição (exceto nos raros casos em que ela admite uma redução mais simples), e portanto maior a complexidade da descrição macroscópica.

    Encontrei um teorema que diz que a complexidade de Kolmogorov de uma sequência aleatória é aproximadamente a sua entropia de Shannon; se assumirmos que os estados microscópicos se comportam probabilisticamente de maneira bastante regular, como costuma-se assumir em mecânica estatística (ergodicidade, isotropia, etc), a complexidade de kolmogorov de estados microscópicos deve ser proporcional a sua entropia termodinâmica.

    Então, resumindo, sistemas com maior complexidade macroscópica, teriam menor complexidade microscópica, e portanto menor entropia. O que é intuitivamente coerente com a noção de que quanto mais informação macroscópica, menos informação microscópica resta (entropia).

    Há mais algum ponto de desentendimento?

  13. Talvez a gente esteja confundindo um pouco os conceitos. Eu conversei com alguns amigos fisicos e eles disseram que entropia microscopica não existe, então essa distinção que você fez para tentar salvar seu argumento não vale. O fato é que o conceito de complexidade que você pretendeu usar aumenta conforme a entropia de Shannon aumenta e esta é diretamente proporcional a entropia. Você pode usar variaveis macroscopicas ou microscopicas para chegar na entropia, mas ela é uma só e é macroscopica. Só se você for usar uma noção de complexidade completamente qualitativa que não tem nada a ver com entropia de Shannon, mas ai seria no minimo estranho. Uma vez que um conceito bem definido complexidade está associada a entropia e só existe uma entropia, só existe uma complexidade, a macroscopica.

  14. Eu concordaria que a complexidade é qualitativa… não quantitativa… por exemplo, diria que uma pessoa é mais complexa que um prédio, ou que um ônibus, ou que um elefante, ou que uma baleia, simplesmente por seu refinamento e por aquilo de que é capaz. Mas isso pode ser chamado de complexidade ou não, depende de qual a intenção que temos ao discutir isso.

  15. Mais uma vez estou com o Rend na discussão sobre entropia, e discordo da posição do João que defende um único tipo de entropia.

    Rend, quanto ao Gould, o que ele está fazendo é dando um princípio geral no qual ocorre aumento de complexidade no tempo sem entretanto ocorrer uma propensão a uma complexidade maior. Como o argumento é algorítmico do tipo IF ….. IF…… IF……. THEN…. ele não precisa se servir de exemplos específicos da evolução na terra para que ele esteja certo, ele apenas demonstra que essa visão que ele expôs é coerente em relação ao nosso conhecimento atual. Ele pontua apenas que a biomassa da terra é majoritarimante composta por seres bastante simples até hoje.

    A gente pode achar que a melhor maneira de conviver com um tigre é sendo inteligente a ponto de não ser comido e ainda poder caçá-lo. Mas na verdade é ser uma bactéria mutualista no intestino dele.

  16. João, não me lembro de ter falado de entropia microscópica, e acho que se estamos falando de entropia termodinâmica, isto não existe, embora possa se falar de entropia de sistemas quânticos, mas não sei nada a respeito.

    Mas de fato, há pelo menos duas entropias na discussão, a termodinâmica e a de Shannon.

    A entropia termodinâmica é uma grandeza bem definida, extensiva e mensurável, como volume, ou energia interna, num gás ideal a entropia aumenta com o volume e a temperatura, ela é medida em Joules/Kelvin.

    A entropia de Shannon, por outro lado, é um conceito informacional, e diz respeito a quanta informação o sistema é capaz de portar (memória), ou, se já temos alguma informação a respeito do estado do sistema, quanta informação falta para determinar completamente este estado. Se o sistema tem N estados equiprováveis, sua entropia é H=log(N), ou, em geral, para um estado i de probabilidade p(i), H= – Soma{p(i)log(p(i)}. Ela é medida em bits.

    A mecânica estatística permite encontrar uma equivalência entre a entropia termodinâmica e a entropia de Shannon do estado microscópico do sistema, desde que certas hipóteses sejam satisfeitas. A entropia termodinâmica seria então dada por S=k log(Omega), onde Omega é o número de estados microscópicos (supostamente equiprováveis) compatíveis com o estado termodinâmico (macroscópico) do sistema, ou S=-k Soma{p(i)log(p(i)}, se os estados tiverem probabilidades distintas. De modo que a entropia termodinâmica seria equivalente à entropia de Shannon do estado microscópico.

    Diego, não acho que ter maior complexidade garante a nós um maior sucesso biológico do que as bactérias, e nem acho muito que nós seres humanos sejamos seres especialmente complexos entre todos os outros animais, mas acho que funcionalidade costuma ser adaptativa, e ela aumenta acompanhada de complexidade.

  17. ser adaptativa *é igual por definição * amaior sucesso biológico

    então sua tese é impossível, tem uma inconsistência na sua frase.

    Quanto a complexidade, acho que somos os seres mais complexos do mundo, e não consigo nem imaginar um argumento em contrário.

  18. O fato de a complexidade poder estar relacionada um maior sucesso biológico na evolução daquela espécie não implica que quem for mais complexo vai ter um maior sucesso biológico entre todos os seres vivos. Ou seja, falo de um fitness maior do que o anterior para aquela população, não de um fitness maior do o das outras populações.

    Pensando melhor, de fato, talvez nós sejamos os seres vivos mais complexos, pelo menos pelo critério de interação com o ambiente; inteligência dá muita flexibilidade comportamental. Embora sei lá, um sistema imune ou sensorial sofisticado talvez possam ultrapassar a complexidade proporcionada por nossa inteligência neste aspecto, mas acho que podemos colocar os seres humanos pelo menos nos top 10 ou top 5.

  19. O nosso sistema imunológico, que eu saiba, é o melhor do mundo, afinal, nos viviamos em grupos bastante grandes, com interação inter-grupal muito grande, e intragrupal também (compare a quantidade de contato entre os humanos e os macacos prego por exemplo…….)

    Posso estar errado, mas acho que somos complexos aos montes.

  20. Acho que a questão de se o homem tem algo de especial entre os seres vivos também é um assunto interessante e controverso, talvez alguma hora eu poste sobre isto.

  21. Rend,

    Pelo o que entendi da sua resposta você passou a concordar que, se só existe uma entropia termodinâmica e uma entropia de Shannon associada a ela, a entropia dos seres vivos ser menor indica que sua complexidade é menor. Ou então você concorda com as premissas (que basicamente é a física) mas não com as conclusões. Não entendi direito onde você discorda uma vez que se você aceita que a entropia dos seres vivos tende a diminuir me parece seguir necessariamente que a entropia de Shannon também diminui e com ela a complexidade (como é demonstrado naquele artigo). Se eu dividir o argumento em: 1. a entropia dos seres vivos diminuiu 2. a entropia de Shannon diminuir, 3. a complexidade diminuiu, onde você começa a discordar?

    Abraços

  22. Discordo do ponto 3, porque estamos falando de complexidades diferentes.

    Propus uma noção de complexidade baseada na interação com o ambiente, entretanto, a noção de complexidade que você parece estar utilizando se refere ao estado físico microscópico do sistema (pois as entropias termodinâmica e de Shannon do sistema se correlacionam com a complexidade do estado microscópico).

    Creio que a diminuição da complexidade deste estado microscópico ocorra pois ela foi justamente “transferida” para a complexidade do estado macroscópico (numa noção mais informal, uma vez que não estamos mais no domínio estrito da termodinâmica). O estado macroscópico impõe tantos constraints (maior complexidade) aos estados microscópicos que estes acabam não tendo muita liberdade e portanto tendo uma complexidade menor.

  23. Rend,

    Concordo com o aumento da compexidade ser favorecido pela evolução se considerarmos as relações organismo-meio e não apenas os aspectos estruturais. Não podemos esquecer dos sistemas de regulação gênica, que podem ser altamente complexos, mesmo em organismos “simples” (ou quase organismos) como os vírus e bactérias. Os hormônios desempenham um papel bastante interessante na adaptação dos genótipos às alterações ambientais e esse nível de complexidade pode não ser evidente, pois as mesmas estruturas assumem funcionamentos mais complexos.
    Porém sob o aspecto da seleção natural acho que o principal favorecimento da evolução é por uma crescente PLASTICIDADE, onde organismos com maior capacidade para mudar sobrevivem mais às pressões seletivas.
    É interessante considerarmos o papel da NEOTENIA nos processos evolutivos, justamente porque os estágios mais jovens do desenvolvimento são também os mais plásticos, esse é o caminho sugerido por Gould para evolução humana (http://diversae.blogspot.com/2007/10/hormnios-e-neotenia-na-evoluo-humana.html).

  24. Acho que a perspectiva pró-complexidade não é razoável. A evolução de animais com sistemas nervosos complexos talvez os direcione para complexidade, mas não muito. A interação entre animal-ambiente provavelmente é mais simples para alguns animais atuais que para seus ancestrais (o kiwi, o dodô e a baleia me parecem bons exemplos).

    Mesmo olhando para a evolução de uma perspectiva neuro-centrica, ainda que de fato a complexidade pague bem, os aracnídeos parecem não estar ficando muito mais complexos e continuam em todo lugar.

    Mas particularmente acho que é possível discordar da tese de que há um aumento de plasticidade. Mesmo na evolução humana, o antropólogo stephen mithen por exemplo aponta um constante zig-zag entre pressões para estruturas fixas, depois pressões mais plastificantes, e de volta outra vez.

    O fato de que Skinner estava completamente errado por exemplo teria ficado escondido por muito mais tempo se os animais sobreviventes fossem todos os legatários de um passado pró-plasticidade. Com plasticidade suficiente, Skinner poderia até estar certo!

    abraços

  25. Leo,

    Quando você pensa em complexidade, não pensa na hipótese de que a complexidade seja uma tendência da nossa mente, da nossa descrição da realidade? Nós descrevemos a nós mesmos de modo complexo porque nós somos o nosso principal interesse, e porque só podemos partir de nós mesmos.

    Por exemplo, quando olhamos para um rebanho de ovelhas, achamos que são todas iguais e estão todas fazendo as mesmas coisas. Classificamos seu comportamento de acordo com critérios que nos interessam. Mas uma pesquisa diz que as ovelhas reconhecem as diferenças de fisionomia entre si que nós não conseguimos enxergar. Isso me faz pensar que animais de outras espécies podem ter uma vida complexa, mas nós anulamos essa complexidade porque não temos um acesso a eles como temos a nós mesmos.

    Talvez nós reduzamos a complexidade dos fenômenos que são menos importantes para nossa sobrevivência. Isso até mesmo poderia ser adaptativo para o cérebro, já que seria perda de tempo ficar processando informações irrelevantes para nós. Mas um ácaro talvez tenha mais formas de interagir com o meio do que nós somos capazes de imaginar. O mesmo é dito por quem estuda formigas e cupins, por exemplo.

    Talvez haja uma tendência de sempre ver a sua própria espécie como mais complexa, porque classificamos as espécies com base nas características que nós julgamos ser superiores. Talvez, do ponto de vista dos golfinhos os humanos pareçam todos iguais, e façam sempre a mesma coisa. Quando vemos dois cães comendo razão achamos que estão fazendo exatamente a mesma atividade, mas talvez existam detalhes imperceptíveis para nós que representam, no mundo próprio do cão, maneiras singulares de comer.

    Então tudo isso poderia ser visto de outro modo. Parece que estamos falando do modo como descrevemos os seres, e não do modo como eles realmente são. Este é o problema filosófico da taxonomia. Talvez até mesmo exista uma tendência cultural para prezar a complexidade, e uma cultura que prezasse a simplicidade poderia ver o ser humano como o mais simples dos seres, e os outros seres perdidos numa complexidade que os atrapalha a viver, por exemplo, e aí a simplicidade seria tendência evolutiva.

    Eu também acho interessante o argumento do Gould. Eu penso no exemplo diferente: Pegue um saco de arroz e comece a despejar os grãos lentamente na mesa, num ponto fixo. A “tendência” dos grãos é de se afastar do ponto de origem tanto no plano vertical quanto no horizontal. Isto poderia ser uma analogia do progresso quantitativo e qualitativo. Mas não seria exatamente uma “tendência”, seria apenas o caso de que é impossível que outra coisa ocorra. E resumo, partindo de de uma complexidade mínima e adicionando variabilidade, é impossível que não surjam graus de complexidade maior, mesmo que não haja qualquer tendência à complexidade dentro dessa variabilidade, ou seja, mesmo que essa variabilidade seja completamente aleatória, a complexidade vai subir do mesmo modo com que os grãos se afastam do ponto de origem.

  26. Oi Janos!

    O conceito de complexidade tem um problema que é a dependência de uma linguagem de descrição, e diferentes linguagens privilegiam diferentes aspectos, embora possa se tentar complementar a linguagem para dar conta de um aspecto novo sempre que este for descoberto.

    Assim, existe sim um espaço para um antropocentrismo, ou algum outro -centrismo nesta medição. Mas pelo menos de imediato, não me parece estar ocorrendo de forma muito acentuada. Acho que se alguém quiser criar parametros objetivos de descrição de comportamento, pode fazer isso de forma pouco antropocêntrica se quiser. Enfim, aceito sua crítica ao conceito, mas não acho que seja um grande problema prático.

    A questão da tendência realmente ficou meio mal-definida no post. Quis dizer que a complexidade é em algum sentido crescente no tempo. Como mencionei, senão em média, pelo menos no seu máximo. Não quis dizer que exista qualquer tipo de força misteriosa a favor da complexidade, apenas que ela é um subproduto comum dos processos evolutivos. Acho que chamar isto de tendência ou não vira uma discussão semântica.

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